Numa sala de aula típica do ensino profissional português, observamos um cenário que se repete constantemente: professores dedicados, empenhados em simular situações profissionais através de exercícios de role-playing, tentando recriar ambientes que, supostamente, os alunos encontrarão no futuro. "Vamos fazer de conta que estamos a desenvolver uma base de dados para uma empresa", dizem eles, ou "hoje vamos simular um atendimento ao cliente". E assim se passam horas, dias e meses, numa realidade paralela que, embora bem-intencionada, está divorciada do mundo real que aguarda estes jovens profissionais.
Esta abordagem pedagógica, ainda que tradicional e aparentemente segura, levanta questões fundamentais sobre a eficácia do nosso sistema de ensino profissional. Enquanto os alunos se entretêm com simulações em salas climatizadas, o mundo real continua a girar lá fora, com empresas enfrentando desafios reais, precisando de soluções concretas e, mais importante ainda, de mentes jovens e criativas que possam contribuir com novas perspectivas. É como se estivéssemos a preparar nadadores numa piscina sem água, esperando que, quando chegarem ao oceano, saibam naturalmente como lidar com as correntes, as ondas e a profundidade real.
A questão que se impõe é: por que razão continuamos presos a este modelo obsoleto? Por que motivo não transformamos as empresas e instituições locais em verdadeiras salas de aula? Imaginemos o potencial transformador de ter alunos do curso de programação a desenvolver soluções digitais reais para empresas da região, ou estudantes de gestão a colaborar ativamente na otimização de processos de negócios existentes. Esta não é uma utopia irrealizável - é uma possibilidade concreta que algumas instituições já começaram a explorar, com resultados notáveis.
Os benefícios de uma abordagem prática e integrada com o mundo empresarial são múltiplos e significativos. Para os alunos, representa a oportunidade de desenvolver competências reais em contextos autênticos, construindo um portefólio de realizações concretas ainda antes de concluírem o curso. Para as empresas e instituições, significa acesso a novas ideias e perspectivas, além de uma oportunidade de identificar e cultivar talentos desde cedo. Para a comunidade em geral, representa uma ponte vital entre a educação e o desenvolvimento económico local.
Os obstáculos a esta transformação são, naturalmente, significativos. Questões logísticas, transportes, coordenação com empresas, disponibilidade e interesse dos atores da educação - são desafios reais que precisam de ser endereçados. No entanto, quando pesamos estas dificuldades contra o custo de continuarmos a formar profissionais num ambiente artificial, sem passarmos para os cenarios ecológicos, percebemos que o esforço vale a pena. Estamos a falar de uma mudança de paradigma que pode revolucionar não apenas a forma como ensinamos, mas também como preparamos a próxima geração para os desafios do mundo real.
É tempo de quebrar as correntes do "faz de conta" e mergulhar no mundo real. É tempo de transformar as nossas empresas em laboratórios vivos de aprendizagem, onde teoria e prática se fundem naturalmente. É tempo de reconhecer que a melhor preparação para o mundo real é a exposição gradual e guiada a esse mesmo mundo. As ferramentas estão ao nosso alcance, os benefícios são claros, e as necessidades são urgentes. Tenho dito: quem quer faz, quem não quer arranja desculpas.
Comentários
Enviar um comentário