“Não sei do que gosto, não sei quem sou, mas sei o que dizem de mim” – A urgência de reinventar a educação em Portugal

Há frases que nos atravessam como lâminas, cortando fundo naquilo que julgávamos sólido em nós. Hoje, um aluno, coma vulnerabilidade dos seus 16 anos, disse-me: “Não sei do que gosto, não sei descrever-me, mas sei de cor o que os outros dizem sobre mim.” Aquelas palavras agitaram-me, um alerta para o vazio que a nossa educação, tantas vezes, deixa crescer nos jovens. Como chegámos aqui? E, mais importante, como podemos mudar o rumo para que os nossos alunos não se definam apenas pelo reflexo dos outros, mas pela descoberta de si próprios?

A educação em Portugal, apesar dos avanços, ainda carrega o peso de um modelo que privilegia a memorização em detrimento da introspeção, a competição em vez da colaboração, e a conformidade acima da autenticidade. Os jovens saem das escolas sabendo equações e datas históricas, mas muitos não sabem quem são, o que os apaixona ou como navegar as suas emoções. A frase do meu aluno é um sintoma de um sistema que, mesmo bem-intencionado, falha em ensinar o mais essencial: o autoconhecimento.

O professor, peça central deste puzzle, precisa de se reinventar. Durante demasiado tempo, o seu papel foi o de transmissor de conteúdos, um guardião de currículos rígidos que pouco espaço deixa para a exploração individual. Mas o mundo mudou, e os jovens de hoje, conectados, questionadores, expostos a um turbilhão de informação, exigem mais. Exigem ser vistos, ouvidos, desafiados a pensar por si mesmos.

Mudar este paradigma começa por uma alteração profunda na postura do professor. Em vez de ser a fonte de respostas, o docente deve tornar-se um facilitador de perguntas. Deve criar espaços onde os alunos possam explorar as suas paixões, confrontar as suas dúvidas e errar sem medo. Um professor que inova não é aquele que domina as novas tecnologias (embora isso ajude), mas aquele que domina a arte de ouvir, de provocar reflexões e de guiar sem impor.

A educação portuguesa precisa de transformar as salas de aula em laboratórios de descoberta. Em vez de aulas expositivas, onde o aluno é um recetor passivo, devemos apostar em metodologias ativas: projetos interdisciplinares e reais, com impacto na comunidade e na vida do aluno, debates, dinâmicas de grupo que promovam o pensamento crítico e a autoexpressão. Um aluno que trabalha num projeto real e de impacto na comunidade, por exemplo, não só aprende sobre o tema, mas descobre se gosta de liderar, de criar ou de investigar. É nesse fazer que ele se encontra.



Além disso, é fundamental integrar a educação emocional no currículo. Não podemos esperar que os jovens saibam gerir frustrações, identificar talentos ou definir objetivos se nunca lhes ensinarmos como fazê-lo. Oficinas de autoconhecimento, sessões de mindfulness ou momentos de reflexão guiada podem ajudar os alunos a responder à pergunta: “Quem sou eu?” Programas como estes, já testados em países como a Finlândia, mostram que investir na inteligência emocional não é um luxo, mas uma necessidade.

Inovar na educação exige coragem. Coragem para desafiar currículos sobrecarregados, para enfrentar resistências institucionais e para admitir que nem sempre sabemos o caminho. Mas exige, acima de tudo, empatia. Cada aluno que entra numa sala de aula traz consigo um universo de sonhos, medos e potencialidades. Cabe ao professor, com humildade, ajudá-lo a explorar esse universo.

Isto não significa abandonar os conteúdos tradicionais. Matemática, português, história – tudo isso importa. Mas o conhecimento só ganha sentido quando está ao serviço da construção de uma identidade. Um aluno que sabe resolver equações, mas não sabe o que o motiva, está tão perdido quanto aquele que não domina a tabuada.

A frase do meu aluno não é apenas um lamento; é um convite à mudança. Para que os jovens deixem de se definir pelo que “os outros dizem” e passem a dizer “sei quem sou e do que gosto”, precisamos de uma educação que os coloque no centro. Uma educação que os ensine a questionar, a sentir, a criar. E isso começa com professores que, em vez de moldarem alunos à imagem de um sistema, os inspirem a construir a sua própria história.

Portugal tem a oportunidade de liderar esta transformação. Temos professores dedicados, jovens cheios de potencial e uma sociedade que valoriza a educação. Falta-nos, talvez, a ousadia de dar o salto: de um sistema que forma para exames para um que forma para a vida. Porque, no fim, o maior teste que um jovem enfrenta não é o de matemática ou de português: é o de se conhecer, de se amar e de encontrar o seu lugar no mundo.

Quem quer faz, quem não quer arranja desculpas!

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