Como neurocientista, tenho-me debruçado sobre os mecanismos cerebrais que governam os nossos julgamentos e preconceitos sociais, particularmente após uma experiência pessoal que ilustra perfeitamente como os enviesamentos cognitivos podem sobrepor-se à racionalidade mesmo nos contextos mais profissionais, assim, numa recente proposta para uma função numa Instituição pública, deparei-me com um fenómeno fascinante do ponto de vista neurocientífico: a forma como o vestuário pode ativar circuitos neurais de julgamento social que se sobrepõem à avaliação objetiva das competências profissionais.
A situação desenrolou-se quando, após a minha apresentação inicial, um dirigente manifestou a sua preocupação numa reunião subsequente, não sobre as minhas qualificações académicas, experiência profissional ou contribuições potenciais, mas sobre o facto de me apresentar com calças de ganga e sapatilhas, esta reação aparentemente superficial desencadeia uma série de questões fundamentais sobre como o nosso cérebro processa informações sociais e toma decisões. Do ponto de vista neurocientífico, este comportamento pode ser explicado pela ativação preferencial da amígdala e outras estruturas cerebrais associadas ao processamento de estereótipos e preconceitos sociais, sobrepondo-se às regiões do córtex pré-frontal responsáveis pelo pensamento racional e avaliação objetiva.
O mais intrigante nesta situação é observar como os marcadores sociais, como o vestuário, podem ativar esquemas mentais profundamente enraizados que influenciam o nosso julgamento de forma automática e muitas vezes inconsciente. Os estudos em neurociência social demonstram que o nosso cérebro processa informações sobre status social e adequação em millisegundos, muito antes de conseguirmos fazer uma avaliação consciente e racional das capacidades de um indivíduo. É particularmente interessante notar como estes julgamentos rápidos podem persistir mesmo em ambientes que se pressupõem meritocráticos e objetivos, como é o caso da administração pública.
Esta experiência serve como um microcosmo perfeito para examinar como os nossos preconceitos sociais podem manifestar-se de formas surpreendentemente explícitas, mesmo em contextos onde a objetividade e a competência deveriam ser os únicos critérios relevantes. Do ponto de vista da neurociência cognitiva, isto representa um conflito fascinante entre os nossos sistemas de processamento automático (Sistema 1) e deliberativo (Sistema 2), onde os preconceitos baseados na aparência frequentemente vencem a batalha contra a avaliação racional das competências reais.
É particularmente revelador como, numa era onde a inovação e o pensamento disruptivo são cada vez mais valorizados, ainda nos deparamos com barreiras tão arcaicas como o código de vestuário informal sendo utilizado como proxy para competência profissional. Esta dissonância cognitiva entre os valores proclamados de meritocracia e inovação e os comportamentos reais baseados em preconceitos superficiais oferece um campo rico para análise neurocientífica sobre como os nossos cérebros reconciliam estas contradições aparentes.
A ironia final reside no facto de que, enquanto sociedade, continuamos a permitir que julgamentos baseados em aparências superficiais influenciem decisões importantes, mesmo quando temos ampla evidência científica demonstrando a falibilidade destes critérios. Como neurocientista, observo que esta tendência não é apenas um erro de julgamento, mas um reflexo de como nossos circuitos neurais evolutivamente antigos podem ainda dominar processos decisórios que deveriam ser guiados pela razão e evidência. Afinal, como diz o velho ditado: quem quer faz, quem não quer arranja desculpas.
A forma como uma pessoa se veste é frequentemente alvo de julgamentos e preconceitos sociais que, muitas vezes, não refletem a verdadeira essência, carácter ou capacidades dessa pessoa. Este tipo de preconceito está profundamente enraizado em estereótipos culturais, sociais e até históricos, que associam estilos de vestuário a determinados comportamentos, níveis de educação ou até valores morais. No entanto, a roupa é, antes de mais, uma expressão de identidade, conforto e escolhas pessoais, e não deve ser usada como critério para avaliar ou discriminar alguém
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