O ensino profissional em Portugal tem vindo a afirmar-se como um pilar fundamental do sistema educativo português desde a sua reintrodução na década de 1980. Esta modalidade de ensino surgiu com o propósito claro de formar jovens qualificados para responder às necessidades do mercado de trabalho, promovendo simultaneamente o desenvolvimento económico e a redução do abandono escolar. Com uma metodologia assente na prática e na ligação ao mundo empresarial, o ensino profissional representa hoje uma via educativa de sucesso, que tem vindo a ganhar reconhecimento social e a conquistar o seu espaço no panorama educativo nacional.
A recente implementação dos Centros Tecnológicos Especializados (CTE) nas escolas públicas, financiado pelo PRR, representa um marco significativo na evolução do ensino profissional em Portugal. Estes centros, equipados com tecnologia de ponta e infraestruturas modernas, têm como objetivo proporcionar uma formação altamente especializada e atual, particularmente nas áreas industriais, informáticas, digitais e energias renováveis. Os CTEs surgem como resposta à necessidade de modernização do ensino profissional, procurando alinhar a formação técnica com as exigências da Indústria 4.0 e as crescentes necessidades de digitalização do tecido empresarial português.
Na atual conjuntura, marcada por rápidas transformações tecnológicas e pela emergência de novos paradigmas produtivos, torna-se fundamental que o ensino profissional se mantenha na vanguarda da inovação. Os alunos necessitam desenvolver competências que vão muito além do conhecimento técnico tradicional, incluindo capacidades de adaptação, resolução de problemas complexos e domínio de tecnologias emergentes, assim, esta realidade exige uma estreita colaboração entre as escolas e o tecido empresarial, numa simbiose que permita a constante atualização dos conteúdos formativos e a realização de experiências práticas em contexto real de trabalho.
O perfil do docente do ensino profissional, particularmente nas áreas técnicas, deveria refletir esta realidade dinâmica, desta forma, o docente / formador ideal seria aquele que conjuga a experiência prática na indústria com competências pedagógicas, alguém capaz de transmitir não apenas conhecimentos técnicos, mas também a cultura e os valores do mundo empresarial. Este profissional deveria ser, antes de mais, um especialista ativo no seu setor de atividade, mantendo uma ligação permanente com a realidade industrial e as suas constantes evoluções, permitindo trazer para dentro da escola este comportamento em tempo real.
Contudo, o “recente” Decreto-Lei n.º 32-A/2023 veio estabelecer um novo regime de gestão e recrutamento do pessoal docente que, embora procure regular e profissionalizar o corpo docente, pode inadvertidamente criar obstáculos à desejada flexibilidade na contratação de formadores especializados. Ao obrigar as escolas públicas a recrutar docentes para as áreas industriais e de eletrotecnia através de grupos específicos de recrutamento (530 e 540), o decreto limita o acesso de profissionais da indústria ao ensino profissional da escola publica, precisamente aqueles que melhor poderiam contribuir para uma formação atual e relevante.
Esta situação torna-se particularmente preocupante quando consideramos os avultados investimentos realizados nos CTEs. Os novos equipamentos industriais, representativos das mais recentes tecnologias utilizadas no mercado, requerem conhecimentos específicos e atualizados para a sua utilização pedagógica eficaz. No entanto, observa-se que muitos dos docentes dos grupos de recrutamento estabelecidos não possuem estas competências específicas, e, mais preocupante ainda, demonstram pouca disponibilidade para adquiri-las através de formação adicional.
Encontramo-nos assim perante um paradoxo: por um lado, dispomos de centros de formação modernos e bem equipados, preparados para formar os profissionais do futuro; por outro, deparamo-nos com constrangimentos na contratação dos formadores mais adequados para maximizar o potencial destes recursos. Esta situação põe em causa não apenas o investimento realizado, mas sobretudo a missão e a qualidade da formação proporcionada aos alunos e, consequentemente, a sua futura integração no mercado de trabalho.
A resolução deste dilema exigirá uma reflexão profunda sobre o modelo de recrutamento docente para o ensino profissional da escola pública, considerando a especificidade desta via de ensino e as suas necessidades particulares. Será necessário encontrar um equilíbrio entre a necessária regulamentação da profissão docente e a flexibilidade requerida para garantir uma formação técnica de qualidade, atual e relevante para o mercado de trabalho.
Quem quer faz, quem não quer arranja desculpas.
Comentários
Enviar um comentário