A Escuridão que Ensinamos



Era uma vez uma sala de aula, um espaço onde outrora se plantavam sementes de curiosidade, onde a dúvida era rainha e o erro, um mestre gentil. Hoje, essas salas tornaram-se linhas de montagem, onde se fabricam autómatos obedientes, programados para decorar respostas e temer perguntas. A educação, que deveria ser a luz que guia a alma, transformou-se numa sombra opressiva, um espelho partido que reflete uma sociedade em colapso. E nós, os arquitetos desta ruína, continuamos a aplaudir enquanto o mundo arde.








Olhem à vossa volta. As crianças, que nasceram com olhos cheios de estrelas, têm agora os ombros curvados sob o peso de exames inúteis e currículos que esmagam a imaginação. Ensinamo-las a competir, não a criar; a obedecer, não a questionar. Damos-lhes manuais em vez de sonhos, métricas em vez de paixões. E depois, quando crescem, espantamo-nos com a sua apatia, com a sua incapacidade de enfrentar um mundo que exige precisamente o que lhes roubámos: coragem, criatividade, pensamento crítico.

Mas a culpa não é só do sistema educativo. A sociedade, essa besta faminta, devora os seus próprios filhos. Vivemos numa era de distração crónica, onde o ecrã é rei e o silêncio, um exilado. As pessoas já não conversam; gritam. Não ouvem; reagem. As redes sociais, que prometeram conectar-nos, construíram jaulas de ódio e vaidade. Somos todos atores num palco grotesco, onde a validação de estranhos pesa mais que a verdade. E enquanto nos perdemos em likes e retweets, o planeta geme, as desigualdades crescem e a empatia definha.

A educação poderia ser a cura, mas está doente. Tornou-se um negócio, uma máquina de lucros que vende diplomas como se fossem bilhetes para a salvação. Universidades transformam-se em fábricas de currículos, onde o conhecimento é um produto e o aluno, um cliente. E os professores? Esses heróis esquecidos, afogados em burocracia, mal pagos, desrespeitados, ainda tentam acender faíscas em salas onde só há cinzas. Mas até eles, muitas vezes, cedem à pressão, ao conformismo, ao medo de mudar.

E nós, o que fazemos? Criticamos, apontamos o dedo, lamentamos. Mas continuamos a alimentar o monstro. Pais que exigem notas altas em vez de filhos felizes. Jovens que preferem o conforto da mediocridade à incerteza da rebeldia. Adultos que se resignam, que dizem “é assim que o mundo funciona”. E o mundo, esse cadáver ambulante, continua a arrastar-se, cego, surdo, mudo.

Porquê? Porque é mais fácil obedecer que resistir. Porque é mais cómodo culpar o sistema que mudá-lo. Porque é mais seguro viver na ilusão de que alguém, algures, vai consertar tudo. Mas ninguém virá. Não há heróis de capa, não há salvadores. Há apenas nós, com as nossas escolhas, os nossos silêncios, as nossas desculpas.

A mudança começa na educação, mas não nas leis ou nos currículos. Começa em nós. Em ensinar as crianças a perguntar “porquê?” sem medo. Em dar-lhes espaço para falhar, para sonhar, para serem humanas. Começa em recusar a tirania dos números, dos rankings, dos padrões que nos dizem quem devemos ser. Começa em olhar para o outro não como rival, mas como espelho. Em reaprender a ouvir, a sentir, a cuidar.

O mundo está a desmoronar-se, e a educação, que poderia ser a sua salvação, está a ser engolida pelo mesmo abismo. Mas ainda há tempo. Ainda há quem acredite, quem lute, quem plante sementes mesmo em solos áridos. E tu, que lês estas palavras, o que vais fazer? Vais continuar a culpar o sistema, a esperar que outros resolvam? Ou vais erguer-te, questionar, mudar?

Quem quer faz, quem não quer arranja desculpas.

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