Há algo de profundamente errado no modo como preparamos os jovens para o mundo. Passam anos sentados em carteiras, a decorar datas, fórmulas e regras gramaticais, mas saem da escola sem saber o que fazer com uma fatura, como gerir um conflito ou como lidar com o fracasso. A escola, esse pilar da formação, parece muitas vezes desconectada da realidade que espera os alunos lá fora. Não é uma crítica aos professores, que, na sua maioria, fazem o melhor com os recursos que têm. É, sim, uma reflexão sobre um sistema que insiste em preparar cidadãos para um mundo que já não existe.
Os currículos escolares em Portugal, como em muitos outros países, foram desenhados numa era industrial, quando o objetivo era formar trabalhadores obedientes e especializados. A memorização era rainha, e a repetição, o caminho para o sucesso. Mas o mundo mudou. Hoje, vivemos numa era de incerteza, onde a automação substitui tarefas rotineiras e a inteligência artificial desafia até as profissões mais criativas. Ainda assim, continuamos a ensinar como se o futuro fosse uma linha reta, previsível, quando, na verdade, é um labirinto cheio de curvas inesperadas. Como disse o filósofo Zygmunt Bauman, vivemos numa “modernidade líquida”, onde tudo é fluido, incerto, transitório. E a escola? Continua a ensinar como se o mundo fosse sólido.
O que falta, então? Que competências deveriam os jovens dominar para enfrentar este mundo real? Para começar, a literacia financeira é uma ausência gritante. Quantos jovens terminam o secundário sem saber o que é um IRS, um crédito bancário ou um orçamento familiar? Num estudo de 2019 da OCDE, Portugal apareceu abaixo da média em literacia financeira entre jovens de 15 anos. Não é surpresa: ninguém lhes ensina a ler um contrato, a calcular juros ou a distinguir entre “precisar” e “querer”. Saem da escola com uma ideia vaga de que o dinheiro “aparece” e depois enfrentam a dura realidade de que ele desaparece depressa.
Mas não é só o dinheiro. A escola também falha em ensinar competências emocionais. Saber gerir emoções, resolver conflitos ou lidar com a rejeição são ferramentas essenciais num mundo onde as relações humanas são cada vez mais complexas. Daniel Goleman, no seu livro Inteligência Emocional (1995), já defendia que o sucesso na vida depende mais da capacidade de compreender e gerir emoções do que do QI. E, no entanto, onde está o espaço no currículo para ensinar empatia? Para mostrar aos jovens como lidar com a ansiedade ou como pedir ajuda sem vergonha? Ensinamos-lhes a analisar poemas, mas não a ouvir um amigo em crise.
Outra lacuna é a ausência de pensamento crítico. Sim, os alunos aprendem a responder a perguntas, mas raramente a questionar as perguntas em si. Num mundo saturado de informação – e desinformação –, saber distinguir factos de opiniões, avaliar fontes ou reconhecer manipulação é vital. A escola deveria ser o lugar onde se aprende a duvidar com método, a argumentar com clareza, a ouvir com abertura. Em vez disso, muitas vezes premia-se a conformidade. Como dizia o pedagogo Paulo Freire, “não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes”. Mas continuamos a valorizar um único tipo de saber – o que cabe nas linhas de um exame nacional.
E depois há a criatividade, ou a falta dela. Num mercado de trabalho onde a inovação é a moeda de troca, a escola ainda desconfia da imaginação. Os alunos são penalizados por saírem da norma, por arriscarem respostas fora da caixa. Ken Robinson, no seu famoso livro Out of Our Minds (2001), alertava que os sistemas educativos matam a criatividade em vez de a cultivar. Quantas vezes um aluno é desencorajado a explorar uma ideia porque “não está no programa”? O mundo real, esse sim, recompensa quem ousa, quem experimenta, quem falha e tenta de novo. Mas a escola, com as suas grelhas e métricas, prefere a segurança da resposta certa.
Por fim, falta ensinar resiliência. A vida não é uma sucessão de vitórias, mas a escola raramente prepara os jovens para o fracasso. Um exame mal feito é um drama, uma nota baixa é uma tragédia. E, no entanto, o mundo real está cheio de portas fechadas, de planos que correm mal, de sonhos adiados. Ensinar resiliência não é dizer “tenta outra vez”, mas mostrar como transformar o erro numa lição, como encontrar sentido na adversidade. Como escrevia Viktor Frankl em Man’s Search for Meaning (1946), “tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a última das liberdades humanas – escolher a sua atitude em qualquer circunstância”. Porque não ensinar isso?
Não estou a dizer que a escola deva abandonar a matemática, a história ou a literatura. Longe disso. Essas disciplinas têm valor inegável. Mas o equilíbrio está errado. Precisamos de currículos que preparem cidadãos, não apenas alunos. Que ensinem a viver, não apenas a sobreviver. Que deem aos jovens as ferramentas para navegar a incerteza, para construir relações, para criar e recriar o mundo à sua volta.
Talvez seja hora de repensarmos a escola. Não como uma fábrica de notas, mas como um laboratório de vida. Porque, no fim de contas, o que os jovens precisam de saber não cabe num manual. Está lá fora, no mundo real, à espera de quem ousa aprendê-lo
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