Há uma diferença abissal entre aqueles que fazem e aqueles que apenas falam sobre o que outros fizeram. É um contraste que se vê em tantos palcos da vida: nas salas de aula, nas conferências, nas estantes das livrarias. Dou por mim a pensar nos autores que, por vezes, surgem nas listas de convidados para eventos literários ou académicos, mas cuja relação com o próprio trabalho parece ser mais de leitura do que de criação. Não é raro encontrar quem, ao ser chamado a apresentar uma obra, se limite a debitar palavras escritas, como um locutor de rádio a ler um guião alheio, sem alma, sem chama, sem o pulsar de quem viveu o processo de as conceber.
Penso, por exemplo, em certos escritores que, ao aceitar o convite para integrar antologias ou projetos coletivos, acabam por não mergulhar de corpo e alma na sua própria produção. O resultado? Quando chega a hora de falar, de partilhar, de comunicar, o que se ouve é uma recitação mecânica, um eco distante do que poderia ser uma verdadeira conversa com o público. Não é que ler seja um pecado – longe disso –, mas há uma linha ténue entre transmitir saber e simplesmente despejar palavras. E essa linha, meus amigos, separa os que fazem dos que apenas têm de ler.
O mesmo se passa nas salas de aula, esse terreno sagrado onde o conhecimento deveria florescer. Quantos professores não encontramos que se limitam a regurgitar teorias que outros construíram? São como pivôs de telejornal, anunciando o que está escrito no teleponto da academia, sem nunca terem sujado as mãos na terra movediça da investigação. Claro, nem todos têm de ser um Albert Einstein ou uma Maria de Lourdes Modesto – figuras que, cada uma no seu campo, não se contentaram em repetir, mas ousaram criar. Einstein revolucionou a física com as suas próprias equações, enquanto Modesto, com as suas mãos na massa (literalmente), elevou a cozinha portuguesa a um lugar de saber feito e vivido. Mas será pedir demasiado que um professor, pelo menos, aspire a ser mais do que um eco?
A importância de um docente ser também investigador não está só na credibilidade – está na autenticidade. Quem pesquisa, quem questiona, quem experimenta, carrega nas palavras uma vivência que nenhum manual pode replicar. Já ouvi José Saramago, num tom quase confessional, dizer que “escrever é como entrar numa casa desconhecida e ir descobrindo os quartos”. Um professor que investiga é assim: não se limita a descrever a planta da casa; ele abriu as portas, tropeçou nos tapetes, sentiu o cheiro da madeira. E quando fala, não lê – conta.
Por outro lado, há os que se escondem atrás da falta de tempo, da burocracia, das exigências do sistema. “Não dá para tudo”, dizem, enquanto folheiam o livro de outro para preparar a aula de amanhã. É uma escolha, no fundo. Porque quem quer tempo arranja-o, quem não quer arranja desculpas. E é aí que reside a grande diferença: entre os que constroem o conhecimento e os que apenas o transportam, como carteiros de ideias alheias.
Deixo-vos com uma nota para mastigar em silêncio: o que separa o criador do leitor não é o talento, mas a coragem de fazer. Quem faz fala, quem não faz lê, e quem quer faz, quem não quer arranja desculpas.
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