E nós, que fazemos além de apontar o dedo?

 


Hoje o dia está cinzento, daqueles em que o café parece mais um grito de socorro do que um prazer, cafe que provoca estimular a mente e dilatar as pupilas com um fino foco no estado do mundo. Não no mundo lá fora, esse planeta caótico que gira sem pedir licença, mas no nosso canto, na nossa sociedade. 

As notícias falavam de mais uma crise: escolas a meio gás, ruas cheias de lixo, hospitais a rebentar pelas costuras. E, como sempre, o coro habitual: “Isto é uma vergonha! Alguém tem de fazer alguma coisa!” Alguém. Sempre alguém. Nunca nós.



É curioso, não é? Quando o tecto da casa pinga, pegamos num balde e chamamos o canalizador. Mas quando a sociedade pinga, e pinga muito, caramba!, ficamos de braços cruzados, a apontar o dedo como se fossemos juízes num tribunal imaginário. Os professores estão em greve? Culpa do Governo. As estradas estão esburacadas? Culpa da câmara. Os miúdos não aprendem? Culpa dos pais, dos professores, da internet, do universo inteiro menos de nós próprios. Somos especialistas em diagnosticar, mestres em lamentar, mas quando chega a hora de arregaçar as mangas, ui, aí a coisa muda de figura. De repente, o problema é grande demais, complexo demais, e nós, coitados, somos só uma gota no oceano. Ironia das ironias: um oceano não é mais do que muitas gotas juntas.

Lembro-me de uma aula que dei há uns anos, numa sala cheia de futuros professores. Perguntei-lhes: “Se pudessem mudar uma coisa na educação, o que seria?” As respostas vieram em catadupa: mais dinheiro, menos burocracia, melhores condições. Tudo certo, tudo justo. Mas depois lancei o desafio: “E vocês, o que podem fazer hoje para que isso aconteça?” Silêncio. Um silêncio ensurdecedor, daqueles que dizem mais do que mil palavras. Foi aí que percebi: estamos tão habituados a esperar que “os outros” resolvam, que nos esquecemos de olhar para o espelho. Como dizia Fernando Pessoa, esse génio que nos conhecia melhor do que nós mesmos, “tudo quanto penso, tudo quanto sou, é um deserto imenso onde não estou”. E se o deserto for exatamente isso a nossa recusa em estar, em agir, em ser?

Não me entendam mal. Não estou aqui a dizer que somos todos preguiçosos ou egoístas. Há quem lute, há quem faça, há quem se levante. Mas a maioria? A maioria prefere o conforto da crítica. É mais fácil. Mais seguro. Apontar o dedo não dói, não exige, não compromete. E, no entanto, o mundo não muda com dedos apontados. Muda com mãos sujas, com passos dados, com vozes que dizem “eu faço” em vez de “eles deviam”. Enquanto professor, vejo isso todos os dias: os alunos que crescem são os que pegam nos livros, os que perguntam, os que erram e tentam outra vez. Os outros? Ficam à espera que o conhecimento lhes caia no colo.

Penso nas greves, nas filas, nos problemas que nos cercam. E pergunto-me: e nós, que fazemos enquanto sociedade, além de apontar o dedo? Ficamos nas redes sociais a destilar revolta, a partilhar memes, a gritar contra o sistema? Ou saímos da cadeira, juntamo-nos, fazemos barulho a sério não o barulho oco das palavras, mas o barulho concreto das ações? Porque, no fundo, a culpa não é só dos outros. É nossa também. Cada vez que nos resignamos, cada vez que dizemos “isto não tem jeito”, estamos a assinar o cheque em branco para que nada mude.

Talvez esteja na hora de trocar o “alguém tem de fazer” por um “eu vou fazer”. Nem que seja pouco. Nem que seja só um passo. Como já dizia Eduardo Galeano, esse uruguaio que sabia contar verdades como ninguém, “muita gente pequena, em lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, pode mudar o mundo”. E se começássemos por nós? Hoje, agora, sem esperar por Sexta-feira ou por um salvador qualquer?

Pensemos! O que nos impede de ser mais do que espectadores indignados? Será medo, preguiça, ou apenas o hábito de culpar o vizinho? 

Porque, no fim de contas: Quem quer faz... quem não quer arranja desculpas.

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