Em Portugal, a escola fecha as portas e a educação, essa suposta pedra angular da sociedade, vai de férias. Um terço do ano sim! quatro meses inteiros é passado fora das salas de aula. As carteiras ficam vazias, os quadros empoeirados, e os alunos, esses, são largados num limbo onde a aprendizagem formal é uma miragem. Quem os educa então? Os pais, muitas vezes exaustos e sem recursos? A internet, com os seus vídeos virais e algoritmos predatórios? Ou será que ninguém educa, e ponto final? Porque, convenhamos, quando a escola tira férias, a educação não fica de braços cruzados ela simplesmente desaparece.
O sistema educativo português parece ter uma relação peculiar com o tempo. De setembro a junho, corre-se contra o relógio: programas para cumprir, testes para corrigir, notas para lançar. Mas quando chega o verão, e com ele as pausas de Natal e Páscoa, o mundo da educação faz uma vénia e despede-se. “Voltamos em setembro, comportem-se!” E assim, durante meses, os alunos são deixados à deriva. Uns têm pais com tempo e dinheiro para os inscrever em colónias de férias ou explicações. Outros, a maioria, ficam entregues à televisão, aos videojogos ou às ruas. E depois admiramo-nos quando os índices de retenção escolar sobem ou quando os resultados do PISA nos envergonham. Quem educa estas crianças quando a escola decide que pode tirar férias?
Não me interpretem mal: os professores merecem descanso. São humanos, não máquinas, e o seu trabalho é esgotante. Mas o problema não está nos professores está no sistema. Um sistema que aceita, sem pestanejar, que a educação formal seja suspensa por um terço do ano, como se o conhecimento pudesse ser posto em pausa. Será que os alunos querem mesmo estar quatro meses sem escola? Alguns, sim, claro. Quem não gosta de dormir até tarde ou de fugir aos trabalhos de casa? Mas muitos, sobretudo os mais novos, sentem falta da estrutura, da rotina, do convívio. E os adolescentes, esses que o sistema gosta de rotular como “desinteressados”, muitas vezes perdem o fio à meada. Sem estímulo, sem orientação, o que era um aluno mediano em junho torna-se um caso perdido em setembro.
E depois há as desigualdades, esse elefante na sala que ninguém quer ver. Enquanto as famílias abastadas mandam os filhos para campos de verão no estrangeiro ou para cursos de línguas, as outras lutam para pagar as contas. Para essas crianças, as férias não são sinónimo de enriquecimento cultural, mas de estagnação. A leitura fica por abrir, a matemática enferruja, e a curiosidade, essa chama que a escola deveria alimentar, apaga-se. Estudos mostram que os alunos, especialmente os mais novos, perdem até 20% do que aprenderam em leitura e matemática durante as férias de verão. Vinte por cento! E quem recupera esse atraso? Os professores, já sobrecarregados? Ou ninguém, porque o sistema assume que “é assim mesmo”?
A escola não pode tirar férias. Não da forma como o faz agora, com um apagão educativo que deixa milhões de crianças à mercê do acaso. Precisamos de pontes entre o ano letivo e as férias: programas acessíveis, atividades que estimulem sem parecerem escola, bibliotecas abertas, espaços onde os jovens possam aprender sem o peso das notas. Precisamos de um sistema que perceba que a educação não é um interruptor que se desliga em julho e se religa em setembro. Porque, enquanto a escola está de férias, quem educa os nossos filhos? A resposta, muitas vezes, é ninguém. E isso, num país que se diz moderno, é uma vergonha.
Os alunos merecem mais. Merecem um sistema que não os abandone, que não feche as portas à aprendizagem como quem fecha uma loja ao fim do dia. Porque a educação não tira férias ou, pelo menos, não deveria.
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