A nota suficiente, o sonho Iinsuficiente

João, é o seu nome como poderia ser Ana ou Filipe, tem 17 anos, sentado na última fila da sala de aula, num liceu lisboeta, ou até mesmo em Castro Daire, onde o sol de setembro filtra pelas janelas empoeiradas. Os olhos dele, castanhos e evasivos, fixam-se no quadro, mas a mente vagueia para o telemóvel escondido no bolso. "Só preciso de 9,5", murmura para si mesmo, enquanto rabisca uma resposta meia-boca ao teste de matemática. Não é preguiça, não. É sobrevivência. Em Portugal, onde o 10 é a fronteira sagrada do "passar", o 9,5 é o limbo aceitável, o suficiente para não ser o fracassado da família, o suficiente para não explodir o sonho frágil de uma bolsa de estudos ou de um curso que, no fundo, ele nem sabe se quer. Mas e se eu te disser que este João não é exceção? É o retrato de uma geração que aprendeu a medir o valor em décimas, não em descobertas.

Ah, o aluno do mínimo. Aquele que estuda na véspera, que copia o essencial, que entrega trabalhos com o copy-paste do Google como escudo. Não é rebeldia; é cálculo frio. Ele faz tudo pelo mínimo porque o sistema grita: "Basta para sobreviver". Nas escolas portuguesas, onde as turmas inchadas de 28 almas competem por um lugar no superior, onde os exames nacionais ditam destinos como oráculos implacáveis, o mínimo torna-se estratégia. Mas por trás dessa armadura de indiferença, há um turbilhão de receios que o corroem como ácido. O João teme o ridículo, o pai que suspira "Eu trabalhava o dobro e passei com 14", a mãe que esconde as próprias noites em claro para pagar as explicações. Teme o esgotamento, esse burnout que já viu engolir amigos: "Se eu der tudo, e se não bastar? Se o mundo lá fora for só mais um teste sem fim?" E o pior: teme a irrelevância. Num país onde o desemprego jovem ronda os 20% e os diplomas valem menos que o papel em que estão impressos, ele pergunta-se: "Para quê sonhar grande, se o grande é só ilusão?"

Estes receios não nascem no vácuo. São filhos de um sistema educativo que, apesar das reformas dos programas curriculares aos tablets prometidos, ainda cheira a fábrica do século XX. A escola portuguesa, herdeira de um modelo napoleónico, premia o memorizar, o repetir, o acumular de conhecimentos como se fossem pontos num jogo de futebol. Mas o João não quer ser avançado; quer ser humano. Quer que a aula de história não seja uma lista de datas, mas uma ponte para entender por que raio os seus avós emigraram para França. Quer que a matemática não seja equações frias, mas a chave para decifrar o algoritmo que decide se o seu futuro é um call center ou uma startup. O mínimo é o refúgio porque o máximo parece um risco sem rede.

E aqui entra a escola que sonhamos, não um castelo de exames, mas um laboratório vivo, pulsante de curiosidade. Para acabar com este cenário, a escola tem de se transformar num ecossistema, não num funil. Imagina salas onde os projetos substituam os testes: o João a construir um app simples para mapear o desemprego na sua rua, colaborando com colegas de turmas mistas, idades e origens. Turmas mais pequenas, 20 no máximo, com professores que sejam mentores, não fiscais formados não só em pedagogia, mas em escuta ativa, em como detectar o brilho nos olhos de um miúdo que odeia frações mas ama grafites. Avaliações contínuas, sim, mas holísticas: portfólios que contem histórias, não só notas. E integração real com o mundo: parcerias com empresas locais para estágios curtos, visitas a startups onde o fracasso é celebrado como lição. A escola tem de abraçar a diversidade neurodiversa, cultural, económica, com apoios personalizados que não sejam remendos, mas alicerces. E, acima de tudo, tem de fomentar o "porquê": por que aprender isto me torna mais livre? Porque o mínimo mata a alma; o suficiente liberta-a.

Mas não fiques por aqui – vamos à ciência que pulsa por trás disto tudo, à neurociência que nos sussurra segredos do cérebro como um amante conspirador. Sabes, o cérebro humano, essa massa de 1,4 quilos de eletricidade e mistério, não foi feito para o mínimo. Estudos de Carol Dweck, a rainha da mentalidade de crescimento, mostram que quando elogiámos o esforço em vez do talento ("Adoro como persististe!"), ativamos a neuroplasticidade, essa capacidade mágica do cérebro de se reesculpir como argila. O João, com o seu mindset fixo ("Eu sou mau na matemática"), liberta cortisol, o hormona do stress que encolhe o hipocampo, a zona da memória e da aprendizagem. Mas imagina inverter: aulas que premiem a experimentação ativam a dopamina, o neurotransmissor do prazer, criando loops viciantes de motivação intrínseca. Não o "boa, tiraste 9,5" que dá um pico rápido e vazio, mas o "olha o que descobriste!" que constrói sinapses duradouras.

Neurocientificamente, o receio do João é um circuito de amígdala em sobreaquecimento, o centro do medo que, sem regulação, transforma a escola num campo minado. Mas a transformação? Passa por práticas como a mindfulness nas pausas, que acalmam essa besta e abrem espaço para o córtex pré-frontal, o CEO da decisão criativa. Ou gamificação subtil: recompensas não por notas, mas por desafios superados, que liberam endorfinas e constroem resiliência. Em Portugal, onde o PISA nos alerta para o abismo motivacional, integrar estas abordagens, como nos modelos finlandeses, mas à portuguesa, com o nosso calor humano poderia reescrever o guião. O cérebro do João não é defeituoso; é faminto de significado. Dá-lhe isso, e o 9,5 evapora num 15 vivo, num sonho que pulsa.

Esta crónica não é lamento; é chamamento. O João de hoje pode ser o inovador de amanhã, se a escola deixar de ser prisão e se tornar farol. Vamos, Portugal: terra de poetas e navegadores. Não deixes que os teus filhos naveguem só pelo mínimo. Dá-lhes o mar inteiro. E verás: o coração acelera, a cadência vira vício, e o futuro? Esse, sim, será apaixonante.

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